domingo, 21 de fevereiro de 2016

a folha de são paulo

Na Mostra Internacional de Cinema de 2014 a Folha de São Paulo passou vergonha.  A Folha tradicionalmente é uma das empresas patrocinadoras da Mostra e antes de todas as seções, era veiculado um filminho publicitário que tentava fazer crer aos incautos que o jornal era praticante da pluralidade e da isenção política. As reações na platéia se dividiam entre o riso e a vaia.
Ressabiada, a Folha não veiculou nenhum filminho na Mostra de 2015 e na cerimônia de abertura no auditório do Ibirapuera lotado, o seu representante não escapou de ser testemunha de uma cena que não deve ter gostado: a do prefeito Fernando Haddad  ser ovacionado pelo público presente. Até a revista Veja na sua versão de São Paulo (quem diria!), mencionou o acontecimento (ver  aqui  ). 
Haddad tem sido uma das vítimas do mau jornalismo da Folha e muito provavelmente, se o prefeito tivesse sido vaiado, teria sido objeto de uma matéria na edição do dia seguinte, só não se sabe se no caderno de política ou de cultura.
O fato é que o perfil do leitor da Folha vem mudando ao longo dos anos. 
O leitor de jornais mais engajado com as questões culturais e mais à esquerda, ficou refém lá pelos anos 80, com a diminuição do fôlego do mítico Caderno B do Jornal do Brasil que começou a ser editado no início dos anos 60,  e encontrou nos cadernos Folhetim e Ilustrada da Folha o seu jornal. A Folha passava a ser então naquela época, o jornal dos intelectuais e dos que pensavam a política de forma mais progressista. Mas os dois novos cadernos culturais não se encerravam neles mesmos: apontavam que estava ocorrendo uma mudança editorial do jornal. Descobriríamos mais tarde que não se tratava de uma guinada ideológica da Folha
 mas simplesmente uma tacada de marketing e uma oportunidade de mercado que levava o jornal a ocupar um espaço que estava vago. A investida deu certo e a Folha passa naquele momento a ser o jornal mais vendido do país.
O Jornal que apoiou a ditadura, fornecendo até mesmo automóveis para ações da repressão, se portava agora como um veículo de comunicação progressista e com um caráter democrático.
(segue em "mais informações")


Mas a roda do mundo vai girando e a Folha, saudosista da sua identidade, foi retomando a sua vocação histórica e se reconciliando com o seu passado. A inflexão desse processo não está bem definida. Ela se deu paulatinamente e talvez o marco tenha ocorrido quando há alguns anos, o jornal tentou reconceituar a ditadura cunhando um neologismo que abrandava os anos de chumbo. Agora aquele período tenebroso tinha sido apenas uma "ditabranda".
A Folha, não diferente dos seus parceiros midiáticos, as Organizações Globo, o Estadão, a Abril (*), tem um padrão que a define: tem posição política e partidária definida, o que não é um mal em si, mas, a partir e em razão dessa posição, escolheu praticar um mau jornalismo, desrespeitando muitas vezes o receituário ético de um fazer jornalístico. E parece não ter mais nenhum constrangimento por essa sua posição. E para dizer isso claramente, contrata Reinaldo Azevedo, o ídolo da direita raivosa e agora, mais recentemente, incorpora ao seu quadro, Kim Kataguiri, aquele menino que na falta de ter o que dizer, diz aquilo que a mídia quer que seja dito. A falta de substância do menino Kataguiri, já tão escancarada, talvez seja a demonstração melhor acabada do caminho que a mídia, e nesse caso particular a Folha, vem trilhando para alcançar o descomprometimento total em relação ao texto, ao conteúdo, à apuração dos fatos, ao contraditório, à ética, enfim, tudo aquilo que faz parte da essência do bom jornalismo. A resposta indireta que é dada às críticas é mais ou menos assim: "O jornal é meu e os fatos são meus. Eu os crio, escondo ou  revelo do jeito que eu bem entender. O que que você tem  a ver com isso? " E, se o crítico interlocutor ficar olhando, com um ar de perplexidade, poderá escutar ainda um, "o que que tá olhando, vai encarar?".

A Ombudsman da Folha

A Folha foi o primeiro jornal do país a criar a figura do Ombudsman(**) em 1989 com o jornalista Caio Túlio Costa. Os momentos de Caio Túlio Costa e da Vera Guimarães, a atual ombudsman, são muito diferentes. 1989 e 2016 revelam duas Folhas muito diferentes e dois perfis de leitores muito diferentes. Costa exerceu a função na fase pré-internet e Guimarães a exerce em um momento em que a disseminação da informação é tamanha que ela mais desinforma do que informa. Os momentos políticos eram também bem particulares. Vivíamos naquele período a volta das eleições presidenciais e os dois candidatos finalistas, Lula e Collor, representavam posições antagônicas. A grande mídia fez a sua opção clara por Collor e a Folha, ainda vivendo os resquícios da sua guinada editorial daquela década, manteve-se em uma postura mais ou menos equidistante , tendo um comportamento melhor que seus concorrentes. Hoje já temos duas décadas e meia de escolha direta para a presidência da República e a Folha, unha e carne com seus concorrentes e ao mesmo tempo parceiros, trama, através do mau jornalismo, ou derrubar a presidenta eleita ou pintar com cores fortes uma imagem negativa do ex presidente Lula numa tentativa de inviabilizá-lo para a próxima disputa.
Neste cenário a tarefa de Vera Guimarães não é a das mais fáceis. Por outro lado, tem uma oportunidade única de apontar o dedo nas feridas éticas abertas pela mídia nacional. Vera, entretanto, tem patinado nessa tarefa e, via de regra, se posiciona favorável aos caminhos que a Folha e seus parceiros têm trilhado.
Em casos recentes e importantes, como a semana em que o senador Aécio Neves  foi objetivamente citado na Operação Lava Jato ( Aécio é, aliás, o político mais citado na Operação), Vera Guimarães mudou de assunto na sua coluna, preferindo falar da chacina na Grande São Paulo a falar da blindagem escancarada da mídia ao senador. Na coluna de hoje, a ombudsman menciona o constrangimento da Folha que no seu evento por conta dos seus 95 anos de existência, contou com o patrocínio da Odebrecht, empresa que se encontra no olho do furação. Este era um assunto fácil de lidar, já que a sua coluna fecha com as explicações do diretor-executivo do jornal Sérgio D'ávila. O assunto bomba da semana e pauta óbvia da ombusdman, sobretudo em função da maneira mais do que tímida ou inexistente como foi tratada pelos principais veículos, deveria ser outro: o pagamento mensal realizado por uma empresa que detém concessão pública à ex amante do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso acrescido da irregularidade da sua, digamos, ex-cunhada, ser funcionária irregular por 15 anos do gabinete do senador José Serra. Havia ainda um segundo assunto que Vera Guimarães poderia mencionar, ainda que rapidamente, já que, por vezes, ela trata na sua coluna de mais de um assunto. Esse segundo tema poderia ser da charge de Laerte que fez ironia com a mansão da família Marinho em uma ilha de Paraty em um outro caso que mereceria mais luz, mas que, sabemos, ficará no escuro. 

As poucas famílias que detém a comunicação do país formam um oligopólio. O parágrafo 5° da Constituição Federal do artigo 220 reza que "Os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, serem objeto de monopólio ou oligopólio". O artigo precisa de regulamentação. Nessa cumbuca, Vera Guimarães, com certeza, não botará as mãos.

(*) A nota aqui é importante. A revista Veja, publicação da Editora Abril, apesar da identidade comum dos seus parceiros citados, enveredou-se por uma categoria diferente. Ela não pratica um mau jornalismo. Em realidade, a revista há tempos optou por não praticar jornalismo. Passou a ser uma publicação de propaganda e difamação política. A crítica que se pode fazer à revista se encerra no gênero da sua opção. 

(**) "Ombudsman" é uma palavra de origem sueca, cuja função, ainda no século 19, era designada a um funcionário que era uma espécie de representante do povo. No Brasil, por alguma razão não objetiva, estabeleceu-se uma distinção. O Ombusdman ficou definido como um representante do cliente dentro de uma instituição privada e o Ouvidor como o representante do cidadão dentro de uma instituição pública.


Um comentário:

Kleiton Jr. disse...

A Folha é uma farsa. Aliás, a Falha de São Paulo ( http://desculpeanossafalha.com.br/ ) continua censurada.