sábado, 29 de dezembro de 2007

grupo corpo

Ficha Técnica

Ficha técnica da coreografia do Grupo Corpo, postado abaixo:

Xiquexique (Tom Zé e Zé Miguel Wisnik) Vozes: Arnaldo Antunes, Nà Ozzetti, Luanda, Nilza Maria, Tom Ze, Zé Miguel Wisnik, Paulo Tatit Sanfonas.: Toninho FerraguttiViolão e Baixolão: Gilberto Assis Bandolim: Jarbas MarizGuitarra: Marco Prado Percussão: Marcos SuzanoFontes (bochexaxado, bexiguinha no dente): Tom Zé, Neto.

terça-feira, 25 de dezembro de 2007

Outros equívocos...


Clarisse Lispector ?


Não te amo mais


Estarei mentindo dizendo que
Ainda te quero como sempre quis
Tenho certeza que
Nada foi em vão
Sinto dentro de mim que
Você não significa nada
Não poderia dizer mais que
Alimento um grande amor
Sinto cada vez mais que
Já te esqueci
E jamais usarei a frase
Eu te amo
Sinto, mas tenho que dizer a verdade
É tarde demais...

Não, Clarisse não cometeria este poema, mas na Internet jogaram-lhe a bomba no colo. Há outro “poema” famoso, “Procura-se por um amigo”, que prefiro não reproduzir, que alguém culpou o Vinícius de Moraes por tê-lo feito. Eu digo que o poetinha é inocente.

O Instante, que Borges não só escreveria, como escreveu


EL INSTANTE:

¿Dónde estarán los siglos, dónde el sueño / de espadas que los tártaros soñaron, / dónde los fuertes muros que allanaron, / dónde el Árbol de Adán y el otro Leño? / El presente está solo. La memória / erige el tiempo. Sucesión y engaño / es la rutina del reloj. El año / no es menos vano que la vana historia. / Entre el alba y la noche hay un abismo / de agonías, de luces, de cuidados; / el rostro que se mira en los gastados / espejos de la noche no es el mismo. / El hoy fugaz es tenue y es eterno; / otro Cielo no esperes, ni otro Infierno.


Aqui, trata-se de Borges.

Equívocos literários (3)


Da mesma forma que “Instantes”, que comento na postagem abaixo, “Marionete” é um poema em prosa que não guarda nenhuma relação com o autor a quem alguém pretendeu destinar a autoria: Gabriel García Márquez. O que intriga é que os dois poemas tratam do mesmo tema, um olhar histórico e revisionista sobre si mesmo num embalo de mensagem de vida, muito em moda. Borges nunca escreveria “Instantes”; Garcia Marques nunca escreveria “Marionete” e George Bush nunca escreveria Ana Karenina.

Marionete



Se por um instante Deus se esquecesse de que sou uma marionete de trapo, e me presenteasse um pedaço de vida, possivelmente não diria tudo o que penso, mas definitivamente pensaria tudo o que digo.

Daria valor às coisas, não pelo que valem, senão pelo que significam. Dormiria pouco e sonharia mais, entendo que por cada minuto que fechamos os olhos, perdemos sessenta segundos de luz.

Andaria quando os demais se detêm, despertaria quando os demais dormem, escutaria enquanto os demais falam, e como desfrutaria de um bom sorvete de chocolate...

Se Deus me obsequiasse um pedaço de vida, me vestiria com simplicidade, me atiraria de bruços ao sol, deixando descoberto, não somente meu corpo, mas também minha alma. Deus meu, se eu tivesse um coração.... Escreveria meu ódio sobre o gelo, e esperaria que saísse o sol.

Pintaria com um sonho de Van Gogh sobre as estrelas um poema de Benedetti,e uma canção de Serrat seria a serenata que ofereceria à lua. Regaria com minhas lágrimas as rosas, para sentir a dor de seus espinhos,e o encarnado beijo de suas pétalas...

Deus meu, se eu tivesse um pedaço de vida... Não deixaria passar um só dia sem dizer à gente que quero, que a quero. Convenceria a cada mulher e homem de que são meus favoritos e viveria enamorado do amor.

Aos homens provaria quão equivocados estão ao pensar que deixam de enamorar-se quando envelhecem, sem saber que envelhecem quando deixam de se enamorar. A uma criança daria asas, mas deixaria que ela aprendesse a voar sozinha. Aos velhos, a meus velhos, ensinaria que a morte não chega com a velhice, mas com o esquecimento.

Tantas coisas aprendi de vocês, homens..... Aprendi que o mundo todo quer viver no alto da montanha, sem saber que a verdadeira felicidade está na forma de subir a escarpa. Aprendi que quando um recém-nascido aperta com seu pequeno punho pela primeira vez o dedo de seu pai, o tem amarrado para sempre.

Aprendi que um homem unicamente tem direito de olhar outro homem de cima para baixo, quando o tiver ajudado a se levantar.

São tantas coisas as que pude aprender de vocês, mas finalmente de muito não haverão de servir porque quando me guardem dentro desta maleta, infelizmente estaria morrendo....



De autor anônimo - Atribuído a García Márquez

Equívocos literários (2)


Instantes

Se eu pudesse viver novamente a minha vida, na próxima trataria de cometer mais erros.


Não tentaria ser tão perfeito, relaxaria mais.

Seria mais tolo ainda do que tenho sido; na verdade, bem poucas pessoas levariam a sério.

Seria menos higiênico.

Correria mais riscos, viajaria mais, contemplaria mais entardeceres, subiria mais montanhas, nadaria mais rios.

Iria a mais lugares onde nunca fui, tomaria mais sorvete e menos lentilha, teria mais problemas reais e menos imaginários.

Eu fui uma dessas pessoas que viveu sensata e produtivamente cada minuto da sua vida. Claro que tive momentos de alegria.

Mas, se pudesse voltar a viver, trataria de ter somente bons momentos.

Porque, se não sabem, disso é feito a vida: só de momentos - não percas o agora.

Eu era um desses que nunca ia a parte alguma sem um termômetro, uma bolsa de água quente, um guarda-chuva e um pára-quedas; se voltasse a viver, viajaria mais leve.

Se eu pudesse voltar a viver, começaria a andar descalço no começo da primavera a continuaria assim até o fim do outono.

Daria mais voltas na minha rua, contemplaria mais amanheceres e brincaria com mais crianças, se tivesse outra vez uma vida pela frente.

Mas, já viram, tenho 85 anos e sei que estou morrendo.



Jorge Luis Borges é um daqueles escritores que é mais conhecido e citado do que propriamente lido. Um poema, no entanto, foi muito lido, tornando, repentinamente popular, o escritor argentino. Trata-se do poema Instantes. Ocorre, apenas (!), que o poema não é de Borges. Quem o conhece minimamente, não se deixaria enganar: Borges nunca escreveria um texto como este. Entretanto, o texto foi espalhado na rede como sendo de sua autoria, por uma dessas razões difíceis de explicar. Há dúvidas quanto à autoria. Já se disse que era de Nadine Stair, uma senhora norte-americana. Mas parece que também não é. O poema não aparecia nas obras completas do autor, mas, ainda assim, foi preciso que a viúva de Borges, Maria Kodama, fosse à justiça, registrar que o poema não era de Borges e que, como herdeira, não receberia pelos direitos autorais.

sábado, 8 de dezembro de 2007

Equívocos literários (1)

Nem sempre se sabe a origem, e por vezes, nem mesmo a razão, mas inúmeros equívocos literários foram espalhados mundo afora, e muitos deles alcançam quase uma condição de verdade irretorquível. Um deles é um poema que se chamaria “A caminho com Maiakovski” e que seria de autoria de Bertolt Brecht. Também já disseram ser de Maiakovsk. O poema seria assim:






Na primeira noite,
eles se aproximam e roubam uma flor do nosso jardim: não dizemos nada.
Na segunda, já não se escondem.
Pisam as flores, matam o nosso cão e não dizemos nada.
Até que um dia o mais frágil deles entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a luz e,
conhecendo o nosso medo, arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.
O poema verdadeiro, vejam só, é de Eduardo Alves da Costa, brasileiríssimo de Niterói, nascido em 1936 e se chama, NO CAMINHO COM MAIAKÓVSKI, e é assim:
Assim como a humildemente afaga
a imagem do herói,
assim me aproximo de ti, Maiakósvki.
Não importa o que me possa acontecer
por andar ombro a ombro
com um poeta soviético.
Lendo teus versos,
aprendi a ter coragem.

Tu sabes,
conheces melhor do que eu
a velha história.
Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem:
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.

Nos dias que correm
a ninguém é dado
repousar a cabeça
alheia ao terror.
Os humildes baixam a cerviz:
e nós, que não temos pacto algum
com os senhores do mundo,
por temor nos calamos.
No silêncio de meu quarto
a ousadia me afogueia as faces
e eu fantasio um levante;
mas amanhã,
diante do juiz,
talvez meus lábios
calem a verdade
como um foco de germes
capaz de me destruir.

Olho ao redor
e o que vejo
e acabo por repetir
são mentiras.
Mal sabe a criança dizer mãe
e a propaganda lhe destrói a consciência.
A mim, quase me arrastam
pela gola do paletó
à porta do templo
e me pedem que aguarde
até que a Democracia
se digne aparecer no balcão.
Mas eu sei,
porque não estou amedrontado
a ponto de cegar, que ela tem uma espada
a lhe espetar as costelas
e o riso que nos mostra
é uma tênue cortina
lançada sobre os arsenais

Vamos ao campo
e não os vemos ao nosso lado,
no plantio
Mas no tempo da colheita
lá estão
e acabam por nos roubar
até o último grão de trigo.
Dizem-nos que de nós emana o poder
mas sempre o temos contra nós.
Dizem-nos que é preciso
defender nossos lares,
mas se nos rebelamos contra a opressão
é sobre nós que marcham os soldados.

E por temor eu me calo.
Por temor, aceito a condição
de falso democrata
e rotulo meus gestos
com a palavra liberdade,
procurando, num sorriso,
esconder minha dor
diante de meus superiores.
Mas dentro de mim,
com a potência de um milhão de vozes,
o coração grita - MENTIRA
!

domingo, 25 de novembro de 2007

Jogo de Cena


Acabei de assistir “Jogo de Cena” do documentarista Eduardo Coutinho. Ainda estou processando tudo que vi e ouvi: pensando o que é real e o que é criação. Parece que Coutinho está em um processo de desmistificação do real, e nos mostra, através da sua lente de documentarista, que o real pode ser manipulado. É quase como se nos dissesse que montamos a nossa interpretação cotidiana em função do olhar do outro, esse olhar que se coloca como uma câmera oculta. Esse caminho, Coutinho já vem traçando, de uma certa forma, desde Santo Forte e Edifício Máster, e também Babilônia 2000, e O Fim e o Princípio. No filme, não sabemos nunca o que é verdade ou mentira e, ainda assim, nos sentimos (me senti, pelo menos) numa sessão de terapia. Não sei se isso é sintomático.

De qualquer forma, quando subiram os créditos, senti vontade de aplaudir e o fiz, internamente e sem alaridos.

Provavelmente amanhã eu teria outras palavras para definir o filme, o que não mudaria a certeza, para mim, de que Eduardo Coutinho, reeducando o olhar, é a luz do cinema nacional.

quinta-feira, 15 de novembro de 2007

sertão



do sertão
(relato de viagem pelo grande sertão: veredas)


eu andava pra num chegar
e fui e fui e fui

o sertão é assim:
seca e arrepia
mata e dá voltas
cria e engole o tempo


e foi tudo menos o chão
e foi tudo mais o chão


e o diabo a refestejar
e os rios estirados feito pau torto
e os buritis a pastar
as Gerais a chamar


o medo correndo feito boi brabo
cão danado


eu, ouvindo, cri em riobaldo, mascando palavras
fumei o ar das andanças
lambi os seios das brisas atrás das veredas
matei os hermógenes sob as pedras juramentadas dos caminhos
eu andava pra num chegar ( mas há que se chegar )

e vi diadorim que se foi
feito estrela diadorim


ficou o mundo seco como uma lágrima, que caída,
se espalha entre o céu
e as palavras
retintas do livro



gê césar de paula







sexta-feira, 26 de outubro de 2007

sobre a leveza


Há alguns temas que sempre me retornam. “Leveza” é um deles. Joguei por curiosidade a palavra no google e, naturalmente, muitos linques sobre o Milan Kundera e o seu livro “A insustentável leveza do ser” vieram à tona. Li o livro há muitos anos e lembro de ter gostado, mas de tê-lo achado pretensiosamente filosófico. Assisti anos depois o filme dirigido por Philip Kaufman e também gostei, apesar de achá-lo um tanto quanto deslocado do livro. O tema central é sobre o absurdo da existência humana, que, segundo Kundera, cria a insustentável leveza do ser. De qualquer forma, compartilho a pesquisa que fiz, colando abaixo as três primeiras partes do livro e depois com alguns trechos selecionados por um blog chamado “óbvius”, além de um comentário do Ítalo Calvino.

A LEVEZA E O PESO 1

A idéia do eterno retorno é uma idéia misteriosa, e uma idéia com a qual Nietzsche muitas vezes deixou perplexos outros filósofos: pensar que tudo se repete da mesma forma como um dia o experimentamos, e que a própria repetição repete-se ad infinitum! O que significa esse mito louco? De um ponto de vista negativo, o mito do eterno retorno afirma que uma vida que desaparece de uma vez por todas, que não retorna, é feito uma sombra - sem peso, morta de antemão; quer tenha sido horrível, linda ou sublime, seu horror, sublimidade ou beleza não significam coisa alguma. Uma tal vida não merece atenção maior do que uma guerra entre dois reinos africanos no século XIV, uma guerra que nada alterou nos destinos do mundo, ainda que centenas de milhares de seres tenham perecido em excruciante tormento. Algo se alterará nessa guerra entre dois reinos africanos do século XIV, se ela porventura repetir-se sempre, retornando eternamente? Sim: ela se tornará uma massa sólida, constantemente protuberante, irreparável em sua inanidade. Se a Revolução Francesa se repetisse eternamente, os historiadores franceses sentiriam menos orgulho de Robespierre. Como, porém, lidam com algo que jamais se repetirá, os anos sangrentos da Revolução transformaram-se em meras palavras, teorias e discussões; tornaram-se mais leves que plumas, incapazes de assustar quem quer que seja. Há uma diferença infinita entre um Robespierre que ocorre uma única vez na história e outro que retorna eternamente, decepando cabeças francesas. Concordemos, pois, em que a idéia do eterno retorno implica uma perspectiva a partir da qual as coisas mostram-se diferentemente de como as conhecemos: mostram-se privadas da circunstância atenuante de sua natureza transitória. Essa circunstância atenuante impede-nos de chegar a um veredicto. Afinal, como condenar algo que é efêmero, transitório? No ocaso da dissolução, tudo é iluminado pela aura da nostalgia, até mesmo a guilhotina. Não faz muito tempo, flagrei-me experimentando uma sensação absolutamente inacreditável. Folheando um livro sobre Hitler, comovi-me com alguns de seus retratos: lembravam minha infância. Eu cresci durante a guerra; vários membros de minha família pereceram nos campos de concentração de Hitler; mas o que foram suas mortes comparadas às memórias de um período já perdido de minha vida, um período que jamais retornaria? Essa reconciliação com Hitler revela a profunda perversidade moral de um mundo que repousa essencialmente na inexistência do retorno, pois, num tal mundo, tudo é perdoado de antemão e, portanto, cinicamente permitido.



2

Se cada segundo de nossas vidas repete-se infinitas vezes, somos pregados à eternidade feito Jesus Cristo na cruz. É uma perspectiva aterrorizante. No mundo do eterno retorno, o peso da responsabilidade insuportável recai sobre cada movimento que fazemos. É por isso que Nietzsche chamou a idéia do eterno retorno o mais pesado dos fardos (das schwerste Gewicht). Se o eterno retorno é o mais pesado dos fardos, então nossas vidas contrapõem-se a ele em toda a sua esplêndida leveza. Mas será o peso de fato deplorável, e esplêndida a leveza? O mais pesado dos fardos nos esmaga; sob seu peso, afundamos, somos pregados ao chão. E, no entanto, na poesia amorosa de todas as épocas, a mulher anseia por sucumbir ao peso do corpo do homem. O mais pesado dos fardos é, pois, simultaneamente, uma imagem da mais intensa plenitude da vida. Quanto mais pesado o fardo, mais nossas vidas se aproximam da terra, fazendo-se tanto mais reais e verdadeiras. Inversamente, a ausência absoluta de um fardo faz com que o homem se torne mais leve do que o ar, fá-lo alçar-se às alturas, abandonar a terra e sua existência terrena, tornando-o apenas parcialmente real, seus movimentos tão livres quanto insignificantes. O que escolheremos então? O peso ou a leveza? Parmênides levantou essa mesma questão no sexto século antes de Cristo. Ele via o mundo dividido em pares opostos: luz/escuridão, fineza/rudeza, calor/frio, ser/não-ser. A uma metade da oposição, chamou positiva (luz, fineza, calor, ser); à outra, negativa. Nós poderíamos achar essa divisão em um pólo positivo e outro negativo infantilmente simples, não fosse por uma dificuldade: qual é o positivo, o peso ou a leveza? Parmênides respondeu: a leveza é positiva; o peso, negativo. Tinha ou não razão? Essa é a questão. Certo é apenas que a oposição leveza/peso é a mais misteriosa, a mais ambígua de todas.


3

Há muitos anos venho pensando em Tomas, mas somente à luz dessas reflexões pude vê-lo claramente. Eu o vi postado junto à janela de seu apartamento, olhando através do pátio para as paredes do outro lado, sem saber o que fazer. Ele conhecera Teresa umas três semanas antes, numa cidadezinha tcheca. Não haviam passado sequer uma hora juntos. Ela o acompanhara até a estação, aguardando a seu lado até que ele embarcasse no trem. Dez dias mais tarde, foi visitá-lo. Fizeram amor no dia em que ela chegou. À noite, ela caiu de cama com febre e, gripada, passou uma semana inteira no apartamento dele. Tomas acabou por nutrir um amor inexplicável por aquela completa desconhecida; ela lhe parecia uma criança, uma criança que alguém colocara num cesto de vime revestido de piche e enviara rio abaixo, para que Tomas o apanhasse às margens de sua cama. Teresa ficou com ele uma semana, até recuperar-se, regressando em seguida para sua cidade, a uns duzentos quilômetros de Praga. E chegou então o momento que mencionei há pouco e que vejo como a chave de sua vida: postado junto à janela, ele olhava por sobre o pátio para as paredes defronte, ponderando. Devia chamá-la de volta a Praga para sempre? Temia a responsabilidade. Se a convidasse, ela viria, oferecendo-lhe a própria vida. Ou devia evitar uma aproximação? Nesse caso, ela permaneceria sendo uma garçonete num restaurante de hotel de uma cidade do interior, e ele jamais a veria de novo. Queria ou não que ela viesse? Olhando por sobre o pátio para as paredes defronte, ele procurava por uma resposta.


(...)

Olhando por sobre o pátio para as paredes sujas, Tomas percebeu que não tinha a menor idéia se aquilo era histeria ou amor. E afligiu-se por, numa situação na qual um homem de verdade saberia de imediato como agir, estar vacilando e privando de seu sentido os momentos mais belos que já vivera (ajoelhado à beira da cama, pensando que não sobreviveria se ela morresse). Irritou-se consigo próprio, até perceber que, na verdade, era bastante natural que não soubesse o que queria. Jamais nos é possível saber o que queremos, pois, vivendo uma única vida, não podemos compará-la a nossas vidas anteriores, ou aperfeiçoá-la em vidas futuras. Era melhor ficar com Teresa ou sozinho? Não há como testar qual decisão é a melhor, porque não há base para comparação. Vivemos as coisas conforme elas se apresentam, desavisados, feito um ator entrando frio em cena. E de que vale a vida, se o primeiro ensaio para ela é ela própria? É por isso que a vida é sempre como um esboço. Não, "esboço" não é bem a palavra, porque um esboço constitui-se das linhas gerais de alguma coisa, a base de uma pintura, ao passo que esse esboço que é nossa vida é um esboço de coisa alguma, linhas gerais de pintura nenhuma. Einmal ist keinmal, Tomas diz a si mesmo. O que só acontece uma vez, afirma o provérbio alemão, melhor seria que não tivesse acontecido. Se temos uma única vida para viver, melhor seria não ter vivido.

sobre a leveza (continuação)

Sobre o livro, Italo Calvino escreveu:
"O peso da vida, para Kundera, está em toda forma de opressão. O romance mostra-nos como, na vida, tudo aquilo que escolhemos e apreciamos pela leveza acaba bem cedo se revelando de um peso insustentável. Apenas, talvez, a vivacidade e a mobilidade da inteligência escapam à condenação -- as qualidades de que se compõe o romance e que pertencem a um universo que não é mais aquele do viver" Recordando alguns momentos da obra: "...Enquanto as pessoas são novas e as partituras musicais das suas vidas ainda só vão nos primeiros compassos, podem compô-las em conjunto e até trocarem temas (como Tomas e Sabina trocaram o tema do chapeu de coco). Porém, quando se conhecem numa idade mais madura, as suas partituras musicais já estão mais ou menos acabadas e cada palavra, cada objecto, tem um significado diferente na partitura de cada uma..." "Para Sabina, viver significa ver. A visão encontra-se limitada por duas fronteiras: Uma luz de tal modo intensa que nos cega e uma obscuridade total. Talvez seja daí que lhe vem a repugnância por todos os extremismos. Os extremos marcam a fronteira para lá da qual não há vida, e, tanto em arte como em política, a paixão do extremismo é um desejo de morte disfarçado." "... Franz é forte, mas a força dele está unicamente voltada para fora. Com as pessoas com quem vive, com aqueles que ama, é muito fraco. A fraqueza de Franz chama-se bondade. [...] Então perguntou a Franz: 'E porque é que de tempos a tempos não te serves da tua força contra mim?- Porque amar é renunciar à força', disse Franz, com duçura.Sabina percebeu duas coisas: primeiro, que aquela frase era bela e verdadeira; segundo, que, com aquela frase, Frans acabara de se desvalorizar para sempre na sua vida erótica" "Mas o que acontecera ao certo a Sabina? Nada. Deixara um homem porque queria deixá-lo. Esse homem tinha vindo atrás dela? Tinha querido vingar-se? Não. O seu drama não era o drama do peso, mas o da leveza. O que se abatera sobre ela não era um fardo, mas a insustentável leveza do ser."

quinta-feira, 25 de outubro de 2007

reabrindo o empório


Caros e caras,
acho que é hora de dizer que este blog é resultado da má definição, caracterizadas por alto sinal em T2, com tênue realce pós-contrastes, comprometendo parte da (minha) medular óssea da porção antero-medial do tálus e da porção póstero-lateral do calcâneo, assim como do maéolo tibila medial, podendo corresponder a fratura incompleta do microtrabeculado ósseo. Não poderia deixar de mencionar, e por que não, agradecer, as más definições das(minhas) fibras dos ligamentos fíbulo talar e subtalar e – não poderia esquecer – do ligamento tíbio talar anterior pouco espessado, o qual apresenta alteração do sinal habitual e pelo seu sugestivo espessamento cicatricial. Não fosse este meu tornozelo – no popular – “bichado” -que me obrigou a um repouso com o pé imobilizado-, e o amigo Marcel não teria, em visita cordial, criado este blog, obra que eu jamais saberia como fazê-la. Hoje o pé já pisa firme no chão, mas o blog, reconheço, tropeça pelos caminhos. No início imaginei que postaria algumas fotos e os meus poemas e ponto. Mas foi tomando outra forma e o que é mais marcante: sem nenhuma regularidade. Nem com relação à peridiocidade; nem com relação aos temas; nem com relação a nada. Tenho lá os meus quase dez leitores – caso consideremos que aquilo que posto neste empório, sejam matérias de leituras –, e, potencialmente, tenho mais de 200 milhões de leitores espalhados pelo mundo (“minha pátria é minha língua”!), fruto do poderio colonizador dos nossos bravios e desbravadores irmãos portugueses. Vamos à luta, então! Esqueçamos, ora pois, a minha medular calcânea óssea, e também os meus potenciais leitores de além mar, para que eu possa dizer apenas e tão somente, que estou tentando reabrir este empório empoeirado e que gostaria de deixá-lo aberto, com todos os seus penduricalhos, à mercê dos olhares dos que passam na rua, das moscas dos dias e dos vaga-lumes das noites e, principalmente, dos meus quase dez fregueses para que eu possa receber as suas generosas caixinhas.., digo, contribuições. Escrevamos pois!

terça-feira, 2 de outubro de 2007

Resenha crítica: Dois Irmãos, de Milton Hatoum

Dois Irmãos
Eu não a vi morrer, eu não quis vê-la morrer. Mas alguns dias antes de sua morte, ela deitada na cama de uma clínica, soube que ergueu a cabeça e perguntou em árabe para que só a filha e a amiga quase centenária entendessem (e para que ela mesma não se traísse):”meus filhos já fizeram as pazes?”. Repetiu a pergunta com a força que lhe restava, com a coragem que a mãe aflita encontra na hora da morte. Ninguém respondeu. Então o rosto quase sem rugas de Zana desvaneceu; ela virou a cabeça para o lado, à procura da única janelinha na parede cinzenta, onde se apagava um pedaço do céu crepuscular.



Caim e Abel. Esaú e Jacó. Pedro e Paulo. Omar e Yaqub. A primeira dupla desta lista, a mais conhecida, integra uma das histórias mais antigas de desavenças entre irmãos, contada no livro do Gênesis da Bíblia e que resultou, como sabemos, na morte de Abel nas mãos de Caim. Esaú e Jacó, irmãos gêmeos e também personagens bíblicos, inspiraram Guy de Maussapant, assim como Machado de Assis, que nos relatou a trajetória de Paulo e de Pedro, estes, que iniciaram, ainda no ventre, uma disputa que seria eterna. Da mesma forma, Omar e Yaqub se odeiam, e é a eles que Zana, a mãe, se refere no trecho citado acima, que é, ao mesmo tempo, o início e o final da saga de Dois Irmãos, o segundo romance do escritor manauara Milton Hatoum, em reedição econômica lançado recentemente pelas Cia das Letras. A história se passa em Manaus na primeira metade do século 20, beliscando o início da ditadura nos anos 60, quando o avanço militar passa a ocupar a já cosmopolita capital do Amazonas. Manaus é, aliás, um grande personagem do romance, descrita quase sempre além das suas superfícies; nas suas entranhas, vilarejos, ruelas, rios e mangues; nas suas praças, na vida dos seus habitantes, nas mudanças que todo desenvolvimento desordenado acarreta às grandes cidades. Este é o cenário em que Hatoum nos apresenta a trajetória de imigrantes árabes como Galib e sua filha Zana, que se casa com o também imigrante Halim, e da família que os dois irão formar: os gêmeos Yaqub e Omar, personagens centrais da história; Rânia, a filha mais nova, que estabelece uma relação de amor indistinto com os irmãos; Domingas, a empregada índia e aquele que é o narrador, este que deixo ao leitor, descobrir por si mesmo, na construção temporal que cada página propiciará. A narrativa de Hatoun, influenciada sobretudo por Flaubert, Balzac e Faulkner, constrói uma trama em que o “contar uma história” é cercado por filigranas poéticas. O enredo trata, basicamente, do duelo fraternal, mas envolto por inúmeras subjetividades, como a nostalgia de Halim, que apaixonado pela esposa, perde a atenção dela para os filhos, sobretudo Omar, boêmio, impetuoso e sempre protegido por Zana. Rânia, a filha mais nova, dedicada à família e que toma às rédeas dos negócios. Yaqub, tímido e conservador, acaba se tornando mais independente, e se ausenta da vida familiar e assim do cenário da história nos momentos em que se auto-afirma, como na primeira viagem que faz, ainda adolescente para o Líbano, supostamente para separá-lo de Omar e, posteriormente, quando decide estudar em São Paulo - se negando a ter qualquer ajuda da família - onde se torna um reconhecido engenheiro. Há ainda o narrador, como um observador presente e atento, e, ao mesmo tempo, com um certo distanciamento que lhe permite um olhar analítico sobre o enredamento da história que nos conta. Hatoun percorre um trajeto na sua narrativa em que as tenções se apresentam sem que haja uma necessidade de dissipá-las. As histórias não fluem no texto de forma que devam apresentar resoluções. Ficam espaços abertos, mas não há falta. Ficam possibilidades e não certezas.



Milton Hautom, filho de pai libanês muçulmano e de mãe brasileira -mas filha de mulçumano-, nasceu em Manaus, em 1952. Estudou Arquitetura na Universidade de São Paulo. É professor de literatura na Universidade Federal do Amazonas e professor convidado na Universidade da Califórnia, em Berkeley. Relato de um Certo Oriente, seu primeiro romance (Prêmio Jabuti 1990), foi publicado nos Estados Unidos, na França, na Itália, na Alemanha, em Portugal e na Suíça; entre outros países. Dois Irmãos é o seu segundo romance e, da mesma forma, foi publicado em vários países, rompendo mais uma fronteira em 2003, quando foi traduzido para o árabe.




gê cesar de paula

quarta-feira, 19 de setembro de 2007

Os Acrobatas, de Vinícius, por Camila Morgado

O vídeo sumiu. Coloco então o seu link:

http://www.youtube.com/watch?v=KkVu6LTEybA

domingo, 2 de setembro de 2007

1° de setembro de 1910: poesia e futebol

Era uma noite de lua nova na provinciana São Paulo do começo do século 20. Mais precisamente em 1° de setembro de 1910 por volta das 20h30. Sob à luz de um lampião à gás, na esquina da Rua dos Italianos com a Rua dos Imigrantes (atual José Paulino), no bairro do Bom Retiro, um grupo de cansados trabalhadores esperavam o bonde. Joaquim Ambrósio, Antonio Pereira e César Nunes, eram pintores de parede. Rafael Perrone, diziam, era um sapateiro dos bons. Anselmo Correia exercia um profissão um tanto exótica: era motorista. Alexandre Magnani, ganhava a vida como fundidor. Salvador Lopomo entendia mesmo era de macarrão. Para o João da Silva, não tinha tempo ruim. Aceitava qualquer tipo de trabalho braçal. Antonio Nunes era um popular alfaiate. Eles não eram lá muito letrados. Nenhum deles sabia da existência de um tal de Lima Barreto, que, mulato e escritor, havia lutado contra a escravidão e, anos mais tarde, além de escrever o “Triste fim de Policarpo Quaresma”, fundaria uma Liga contra o Futebol lá no distante Rio de Janeiro, por ser este, um esporte da cultura racista da elite branca. Tão pouco vieram a conhecer um outro tal, de nome Graciliano Ramos, que profetizava que esse negócio de futebol não iria pegar. Mas, sobretudo, o que eles não sabiam, pra valer, é que eles estavam ali - cansados, em uma noite de lua nova -, fundando o primeiro time de futebol que seria a representação de tanta gente, porque estava nascendo ali, o time do povo. O futebol começava, naquele Brasil pré-industrial, a sair da esfera aristocrata-cafeeira e ganhar as ruas dos meninos de pés no chão. E o Corinthians, fundado por trabalhadores, sob à luz de um lampião, incorporaria esses meninos, inicialmente nos campos das várzeas paulistanas e depois, além delas, nas arquibancadas, palcos que os transformariam em agentes de uma nova identidade, assimiladas pelos seus filhos, netos, bisnetos... Estava nascendo não um time, mas uma torcida. Uma torcida que tinha um time de futebol.


PS 1: Há muita literatura boa com o tema futebol. Vou lembrar três: “Cuentos de Fútbol Argentino”, seleção de contos organizados por Roberto Fontanarrosa” e editado pela Alfaguara (sem tradução, ainda, para o português) que apresenta 18 contos, entre eles, Jorge Luis Borges e Adolfo Bioy Casares. “Futebol, ao Sol e à Sombra”, de Eduardo Galeano, editora LPM. E “A Dança dos Deuses, Futebol, Sociedade e Cultura”, do historiador medievalista Hilário Franco Júnior, editado recentemente pela Cia. das Letras. Deste livro tiro duas frases: “Torcer supõe alterar a configuração de um evento, moldar psiquicamente um fato para adequá-lo ao espaço do desejo”. E, “No futebol, o vencedor comemora e o perdedor justifica. Como na vida. Entretanto, o futebol apresenta um fator positivo do ponto de vista psicológico: cada partida, cada temporada, oferece a esperança de um novo recomeço. Reescrever periodicamente o script da vida só é possível no futebol”.

PS 2: Dois momentos históricos (e de poesia popular): http://www.youtube.com/watch?v=sGVILAjGs-o&NR=1 http://www.youtube.com/watch?v=NqNqYgnK7Lc&mode=related&search=

sábado, 25 de agosto de 2007

Milton Santos


Este país não consegue perceber.., corrigindo: a elite deste país não se permite perceber muitas das nossas preciosidades. O professor e geógrafo Milton Santos, que, preso e exilado pela ditadura militar nos anos 60, foi andar pelo mundo, lecionando na Sorbone, em Toulouse, Bordeaux, na Universidade de Toronto, no Massachusetts Institute of Technology (MIT) e também pela América Latina e África, não é, por estas bandas, muito conhecido. Milton Santos também trabalhou na Organização Internacional do Trabalho (OIT) para elaborar um trabalho sobre pobreza urbana na América Latina. Falou muitas vezes do óbvio. Uma obviedade que tem tanta luz, que ofusca a realidade de um mundo construído para enxergar a nebulosidade que escamoteia lucros exorbitantes no mesmo compasso em que cria os desalojados do mundo “globalitarista”. Milton Santos nos fala de um “óbvio” que precisa ser dito. Mas Milton Santos é muito mais do que isso. Muito mais que o brilhante intelectual que poucos por aqui conheceram. Nos seus últimos anos de vida, ele abordou muito dos aspectos econômicos, em análises esmiuçadas do papel das empresas na internacionalização do capital, como também dos fluxos financeiros e suas implicações que afetam as culturas regionais. Apresentou teorias sobre os variados aspectos do mundo contemporâneo, propondo uma globalização solidária, contrariando a globalização hegemônica. Ou seja, tudo que a nossa elite não quer alimentar discussões. Assim, é salutar ( esta palavra ainda existe?) que o cineasta Sílvio Tendler tenha realizado o filme, “Encontro com Milton Santos ou O mundo global visto do lado de cá”, um documentário que tem como base, uma entrevista feito pelo cineasta pouco tempo antes da morte do professor em 2001. O filme traz depoimentos de outras personalidades, como Noam Chomsky, Eduardo Galeano, além de imagens do discurso de José Saramago no Fórum Mundial. Milton Santos, que foi o único estudioso, fora do mundo anglo-saxão, a receber o mais alto prêmio internacional em geografia, o Prêmio Vautrin Lud (1994), o equivalente ao Nobel na geografia, merece cada tomada feita pelo filme. Pena que o filme terá vida curta e espaços restritos nas salas de cinema do país.

quinta-feira, 23 de agosto de 2007

Santiago


Santiago escreveu 30 mil páginas, como um copista crítico, que xingava ou idolatrava personagens da história universal. Santiago vestia fraque para tocar Beethoven, quando todos dormiam. Santiago tocava castanholas. Santiago adorava Giotto. Santiago fazia arranjos florais como ninguém. Santiago rezava em latin. Santiago tinha uma memória que o surpreendia. Santiago era mordomo da família Moreira Salles. Santiago é o novo documentário de João Moreira Salles.

quarta-feira, 22 de agosto de 2007

Astor Piazzola

Esta postagem é antiga. Volto a ela hoje (14 de fevereiro de 2010) porque percebi que o vídeo abaixo não está liberado, não sei exatamente o porquê, mas pelo seu link o acesso está livre. Coloco-o então: http://www.youtube.com/watch?v=QCmP4bEJfOg


(ver comentário atualizado acima) Amigos e amigas, posso pedir-lhes 5 minutinhos (e 31 segundinhos) de atenção? Se concordarem, cliquem no post abaixo. Nos comentários do vídeo, que podem ser lidos no http://www.youtube.com/watch?v=LTJQnCcFlvc alguém conta uma história – que deve evidentemente ser uma lenda – que uma vez em Buenos Aires, quando ainda não era famoso, Piazzolla tocava e a cada pausa ouvia alguém na platéia dizer: "hijo de puta". Ao final da apresentação, cansado de tanto ouvir xingamentos foi tirar satisfação com o espectador inconveniente e descobriu que o mesmo dizia: "Eso hijo de puta toca como Diós!". Era seu futuro amigo, Vinícius de Moraes.

Astor Piazzolla Quinteto-Adios Nonino


astor piazzolla y su quinteto tango nuevo - adios nonino

terça-feira, 14 de agosto de 2007

Medos Privados em Lugares Públicos


O diretor francês Alain Resnais já não é o mesmo de O ano passado em Marienbad (começo dos anos 60); de Meu Tio da América (anos 70) ou do grande Hiroshima, Meu Amor do final dos 50. Não é o mesmo, mas é tão bom e instigante como sempre foi. O seu filme mais recente, Medos Privados em Lugares PúblicosCOEURS (Coração), no título original em francês- é mais uma demonstração da apurada lente do diretor para o olhar sobre o ser humano. Pensei em escrever uma resenha crítica, mas desisti depois de ler a que saiu na Revista Paisá, que compartilho a partir do linque abaixo: http://www.revistapaisa.com.br/anteriores/ed9/resnais.shtm



Esta semana o filme está em exibição no Frei Caneca e no Belas Artes.




sábado, 11 de agosto de 2007

Sorriso


O sorriso, palavra de derivação do latin, subrisu é apresentado, no Houaiss, como expressão facial em que os lábios se distendem para os lados e os cantos da boca se elevam ligeiramente, e que expressa alegria, amabilidade, contentamento, aprovação. Muitas vezes - por razões que fazem parte da evolução(!) humana - não conseguimos distender os lábios para os lados da boca para que se elevem, nem mesmo, por vezes, ligeiramente. Há que se fazer exercícios nas musculaturas da face de forma que a nossa evolução não atrofie os nossos lábios a ponto de não mais conseguirem se distenderem para os lados da boca para que se elevem:


Vejam alguns desses exercícios:









  • A internet nos possibilita descobrir coisas inusitadas. Inicialmente peço desculpas pela minha ignorância geográfica aos “sorridentes”, que imagino serem aqueles quem nascem em Sorriso, cidade do interior do Mato Grosso. No sítio da cidade, que pode se ver em www.sorriso.mt.gov.br/ -, pelo menos o prefeito e o vice-prefeito, distendendo os lábios para os lados da boca de forma que se elevem, demonstram estarem aptos para exercerem o poder local.

  • A poesia também sorriu muitas vezes. Manuel Bandeira nos deixou:

Um Sorriso


Vinha caindo a tarde. /Era um poente de agosto. /A sombra já enoitava as moutas. A umidade/Aveludava o musgo. E tanta suavidade/Havia, de fazer chorar nesse sol-posto. /A viração do oceano acariciava o rosto/Como incorpóreas mãos. Fosse ágoa ou saudade, /Tu olhavas, sem ver, os vales e a cidade. /- Foi então que senti sorrir o meu desgosto... /Ao fundo o mar batia a crista dos escolhos... /Depois o céu... e mar e céus azuis: dir-se-ia /Prolongarem a cor ingênua de teus olhos... /A paisagem ficou espiritualizada. /Tinha adquirido uma alma. E uma nova poesia / Desceu do céu, subiu do mar, cantou na estrada...


Drummond, em um trecho de “América”, diz ,


“Sou apenas um homem/ Um homem pequenino à beira de um rio/ Vejo as águas que passam e não as compreendo/ ...Sou apenas o sorriso na face de um homem calado”


Já a Rita, levou o meu (na verdade o do Chico) sorriso, no sorriso dela meu (do Chico) assunto. Mas, nos cotidianos, sempre temos “um sorriso pontual”. Mas o Chico foi além e em Baioque, digamos, foi ao chão:


Quando eu canto, que se cuide quem não for meu irmão/O meu canto, punhalada, não conhece o perdão/Quando eu rio/Quando eu rio, rio seco como é seco o sertão/Meu sorriso é uma fenda escavada no chão


Ferreira Gular pego em pleno ato, capturou um sorriso:


Quando/com minhas mãos de labareda/te acendo e em rosa/ embaixo/ te espetalas/quando/ com minha acesa antorcha e cego/penetro a noite de tua flor que exala/urina /e mel /que busco eu com toda essa assassina/fúria de macho? que busco eu/ em fogo/ aqui embaixo? / senão colher com a repentina/ mão do delírio/ uma outra flor: a do sorriso/ que no alto o teu rosto ilumina?


Na internet, pincei ainda uma pitada de auto-ajuda sem contra-indicações:


Um sorriso não custa nada e rende muito.Enriquece quem o recebe e não empobrece quem o dá. Dura somente um instante, mas sua recordação é quase eterna. Ninguém é tão rico que o possa dispensar.Ninguém é tão pobre que não o possa dar. Cria felicidade no lar; é sustento no trabalho; sinal visível de uma amizade profunda. Um sorriso representa repouso no cansaço; coragem no desânimo; consolo na tristeza; e alívio na angústia. É um bem que não se pode comprar, nem emprestar, nem roubar, porque só tem valor no instante em que se dá. Se encontrar, por acaso, alguém que recusa um esperado sorriso, seja generoso em dar o seu, pois ninguém tanto necessita dele como aquele que não sabe dá-lo aos demais.


Já sabemos que o sorriso tem função terapêutica, mas pesquisadores portugueses fizeram uma recente descoberta. Reproduzo um trecho da matéria:


Os sorrisos, sobretudo os femininos, exercem efeito terapêutico em pessoas depressivas, indica um estudo científico inédito realizado por um investigador português.


O trabalho, da autoria do director do Laboratório de Expressão Facial d a Emoção da Universidade Fernando Pessoa, do Porto, Freitas-Magalhães, foi reali zado de 2003 a 2006, tendo por base 160 pessoas diagnosticadas com depressão (80 homens e 80 mulheres) com idades entre 25 e 60 anos. Segundo as conclusões, a apresentar em Janeiro de 2007 na reunião anual da Sociedade para a Personalidade e a Psicologia Social (SPSP) em Memphis, Tenn essee (EUA), o sorriso "largo" (quando os lábios deixam ver os dentes) e o "supe rior" (que mostra apenas os dentes de cima) são os de maior efeito terapêutico. No estudo foram mostradas aos participantes oito fotografias com quatro tipos de sorriso de homem e outros tantos de mulher que, além daqueles dois, in cluíam os "fechado" e "da face neutra", de efeitos foram considerados residuais. "O efeito dos tipos de sorriso largo e superior é mais intenso e freque nte nas mulheres do que nos homens, independentemente do género de quem os exibe ", sendo que os das mulheres exercem mais efeito do que os dos homens, refere o estudo.(...)


Portanto, mulheres, para o bem da humanidade, exercitem os lábios de forma que se distendam para os lados e os cantos da boca se elevem, expressando, amabilidade, contentamento, aprovação. Embaixo, então, a minha contribuição, com o sorriso mais lindo que eu conheci:

terça-feira, 31 de julho de 2007

Michelangelo Antonioni


E não é que o Bergman, a caminho de Fellini, resolveu chamar Antonioni?

segunda-feira, 30 de julho de 2007

Ingmar Bergman (1918-2007)


Não há o premeditar quando se nasce: sempre se nasce quando menos se espera. Nasce-se muitas vezes na vida. Bergman fez um dos meus partos. Hoje Bergman morreu. Hoje nasci um pouco pelo avesso.

Sobre Vidas e Robôs

Uma cidade cinza. Ruínas, poeira. Naves supersônicas riscam o céu. Uma bruma solta no ar. Personagens estranhos (e cinzas) com seus olhos baixos, circunspectos. Eles protegem os seus medos. Olhos mecânicos vigiam as ruínas, a poeira, o cinza, as brumas e os personagens estranhos. No centro da cena, um policial robô agarra pela perna e arrasta pelo chão um homem ensangüentado, ao mesmo tempo em que aponta para ele uma arma letal. Em volta, o cotidiano. A cena poderia fazer parte de um filme de Fritz Lang ou um texto de Arthur Clarke ou Isaac Asimov. Poderia ser Los Angeles em 2.050. Não era. O ano é 2.002 em algum lugar de Israel. A cena passou despercebida nos noticiários porque tudo se passa despercebido. Vivemos a era do efêmero. Uma notícia engole a outra, numa antropofagia quase que sistêmica. Nada tem valor. Nada importa. O mundo se banalizou. Repito: um robô arrastou um ser humano pelas ruas de uma cidade de Israel. Esse robô não se individualiza como as pessoas cinzas que protegem os seus medos. Esse robô não interpreta as ruínas e as poeiras. Ele as atravessa. Para esse robô, os seres humanos não são seres estranhos, porque em realidade, eles sequer “são”. Esse robô pode prender e matar um ser humano. Um ser humano que cria cinzas, poeiras, ruínas e robôs.

sábado, 23 de junho de 2007




cidade de azul noturno
posta-se sobreposta em silhuetas
em reflexos de poças d’água
por espectros prédios dissimulados
[ponho-me em sombra]
pequenos os olhos que crispam
vaga-lumes elétricos
e corrompem o ar no breu que nos aconchega
como um manto que não acalenta
mas que nos enlevam em anjos
o seu orvalho